sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Areia

Grão
Grão sobre grão
Mais um grão
Milhares de grãos

De longe uma infinita massa lisa e ondulante de cores harmônicas
De perto um pequeno amontoado maciço e irregular

Formam-se dunas com o vento
Faz-se esculturas com as mãos
Deforma-se com a água
É marcada por qualquer rastro

Para depois se desfazer
Para depois ser transformado

Alicerces na areia não são firmes
Alicerces na areia afundam, entortam

Areia,
Fina ou Grossa
Macia ou Áspera
Mas sempre flexível

Flexível e destrutível
Delicada
Desleal

É a base errada
Não se pode construir nada em areia
Ou com areia

Num sopro, lá se vai tudo


Tinha uma Pedra no Caminho...

Cheguei à beira da estrada, uma estrada dessas que se estendem até a linha do horizonte, tão longe que não é possível ver seu fim e sem nenhuma ramificação em nenhuma das direções.
Olhei para um lado, olhei para o outro e então me sentei sobre uma grande rocha, um pouco menor que eu. Fiquei de pé sobre ela e tentei enxergar alguma coisa, mas a estrada simplesmente parecia se estender em ambas as direções sem fim, sem alternativas.



- Você não vai encontrar nada - disse alguém.
- Quem falou? - perguntei olhando em volta e não vendo ninguém.
- Eu.
Continuei procurando, dando voltas sobre a pedra e olhando para perto e para longe.
Nada.
Algum tempo se passou e ninguém mais falou. Eu me sentei sobre a pedra e fiquei olhando de um lado para o outro, tentando me decidir.
- Posso te dizer, não importa pra que lado você vá, não vai ser melhor de onde você veio.
Me assustei mais uma vez. Quem estava falando?
- Todo mundo tem essa reação quando começa a falar comigo, ninguém acredita, acham que estão loucos.
- Mas quem é você? - perguntei olhando em vão para todos os lados.
- Melhor não dizer, confie em mim, sei o que estou falando. E sei também que muitos passaram por essa estrada e ninguém jamais pareceu feliz.
- Vindo de que direção? - perguntei desistindo de descobrir de onde vinha a voz, pois ela parecia vir de todos os lados.
- Das duas.



Não era bem isso que eu esperava ouvir, afinal, eu queria ir para algum lugar.
- Uma vez passou um velho por aqui - disse a voz. - Ele parecia um tanto cansado, e andava muito devagar, acho que por causa das dores. O coitado não parava de dizer como sua vida tinha sido solitária e sofrida, e o pior é que falava sozinho, pois ninguém o estava acompanhando.
- Eu acho que sou eu quem está falando sozinho aqui - comentei.
- Bem, ele parou para descansar e eu perguntei porque estava tão infeliz - a voz continuou me ignorando completamente. - Aí ele disse que quando era jovem tinha fugido do amor de sua vida, e que dês de então não  tinha encontrado mais ninguém que o fizesse feliz. Estava terrivelmente arrependido.
Não respondi. Tive medo de responder. A voz continuou.
- E então eu perguntei por que ele tinha fugido e ele me disse que teve medo de se compromissar, de ficar preso, que achava melhor sair pelo mundo tentando encontrar seu caminho. E quando eu perguntei de que adiantava caminhar pelo mundo sem caminhar ao lado de alguém ele começou a chorar.
- Você acha que vai se arrepender? - disse a voz finalmente cortando o silêncio.
- Não sei.
Fêz-se silêncio mais uma vez. Olhei para um lado da estrada e não vi nada diferente, então olhei para o outro: a mesma coisa.




- Não quer mesmo me dizer quem você é? - perguntei.
- Se eu disser você vai achar que está louco.
- Já estou achando que estou louco - argumentei. - Ficaria menos perturbado se estivesse falando com uma pedra e soubesse que é uma pedra do que continuar achando que estou falando sozinho.
- Então pode se sentir confortável.
- Hein? Por quê?
- Porque você acertou.
- Acertei o quê?
- O que eu sou. Sou uma pedra. A pedra em que você está sentado, para ser mais exata.
Saltei de cima da pedra nesse exato instante.
- Eu disse que você ia achar que está louco - ela disse. - Pode ficar sentado, eu não me importo, não sinto nada.
Hesitei em um primeiro momento, mas em seguida me aproximei novamente da pedra. Muito cautelosamente, como se esperasse que ela pulasse para frente ou fizesse qualquer movimento inesperado.
Devagar, sentei-me sobre ela novamente.
- Ainda vai ficar aí olhando a estrada e tentando se decidir? - ela perguntou.
- O que mais posso fazer?
- Voltar - ela disse isso como se fosse a coisa mais simples e óbvia do mundo.
- Você não entende - falei meio triste.
- Não entendo mesmo - ela falou. - Se eu pudesse escolher escolheria voltar, mas a única coisa que posso fazer é continuar aqui, já que surgi aqui e não tenho lugar nenhum para ir ou para voltar. Fico aqui, dia e noite vendo as pessoas passarem, vendo as pessoas sofrerem. E sempre que eu tento ajudar, dizendo que estou aqui há milênios e que já viu mil e uma pessoas passando pela mesma situação, ninguém me ouve.
Não respondi.
Fiquei pensando naquilo. A experiência de uma pedra...




- Deve ser difícil pra você - falei por fim.
- Você nem imagina.
- Acho que vou te fazer um favor.
- O quê? Me dar vida para que eu possa sair daqui e fazer algo útil?
- Se eu pudesse faria isso, mas é outra coisa - expliquei. - Vou seguir seu conselho.
Ela não disse nada. Simplesmente nada.
- Pedra? - perguntei. - Pedra você ouviu o que eu disse?
Nada. Nem um suspiro, nem um mísero ruído como resposta. Desci da pedra e a rodeei.
- Pedra?! - arrisquei uns soquinhos. - Você está aí?! Ei! Está me ouvindo?!
Não insisti. Por um instante entrei numa confusão inexplicável, sem saber se eu realmente havia chegado a conversar com aquele monte de minérios solidificados. E então me virei de volta para a direção de onde eu tinha vindo. A pedra estava certa no final das contas, eu tinha muito a perder de onde tinha vindo, não valia a pena arriscar.
Timidamente, virei a cabeça para olhá-la, solitária, imóvel na beira de uma estrada que levava do nada a lugar nenhum.




- Obrigado - disse por fim e segui meu caminho, sem nunca saber o que aconteceu com ela depois disso.
Às vezes a gente não precisa de uma pedra no meio do caminho para nos impedir de continuar, apenas de uma com um bom conselho que te faça seguir o rumo certo.