sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Toc toc

Toc toc.
Ninguém respondeu.
Toc toc.
Ele insistiu. Sentia que não podia desistir agora, simplesmente não podia.
Toc toc.
Um desespero que costumava ser pequenininho e que ele costumava guardar o mais fundo possível e muito bem escondido de repente cresceu de uma vez, mas ele se controlou e levantou o punho mais uma vez.
Toc toc.
A lembrança do último ano lhe veio à mente. Um ano inteiro de buscas, de pesquisas... E agora lá estava ele, segurando a carta, esperando para saber se o destinatário estava lá, para entregá-la pessoalmente...
Toc toc.
Um segundo de silêncio. Ele ou viu algum tipo de "clique" vindo lá de dentro, um rangido de porta se abrindo. Passos, uma lâmpada de ascendeu lá dentro. A maçaneta girou parcialmente, depois parou, como se a pessoa do outro lado tivesse hesitado.
A brisa soprou de leve, como se quisesse acalmá-lo, mas na verdade acabou provocando calafrios terríveis.
E se ela não atendesse? E se dissesse "vai embora"?
O olho de vidro era fincado na porta como um invasor, e naquele momento encarava-o com austeridade, sério, frio. Sua autoridade de julgamento submetia-o, sufocava-o, deixava-o apavorado.


E se ela não me reconhecer?
Ele sentia alguém a observá-lo do outro lado. Ela devia estar tentando descobrir quem era, afinal, haviam se passado tantos anos...
Em fim, a porta se abriu.
- O que você quer?
A idade não havia roubado dela nenhuma das belezas joviais das quais ele se lembrava. Ficou mudo, não sabia o que dizer.
Estendeu a mão com a carta.
- Você nunca foi bom com as palavras, não é? A não ser em suas teses.
Continuou calado. Ela pegou a carta.
- Eu me lembro dos seus poemas, sabe... eram razoavelmente bons. Naquela época eu costumava achá-los o máximo. Mas você nunca recitou um deles para mim, não é? Nunca me disse de onde você tirava sua inspiração. Eu não me importava.
Ela desdobrou o papel.
- Ah, então você resolveu aprender a escrever cartas, é? Já é um avanço. Tomara que não pareça uma tese de doutorado ou uma defesa de TCC. Na verdade a carta é mais próxima da fala, quem sabe você não colocou aqui um pouco do que nunca me disse no passado...
Foi quando conseguiu fazer sua voz sair.
- Me desculpe.

Ela parou de falar. Encarou-o pela primeira vez, e então ele pode ver seus olhos novamente, exatamente como os tinha visto pela última vez: na penumbra, iluminados por uma única lâmpada fraca que cintilava na escuridão de uma noite de inverno.
Eram quinze anos, um mês e quatro dias, e mesmo assim ele sentiu que o mesmo calor de outrora preenchia novamente o seu interior oco e abandonado.
Ela o olhava como se o tivesse reparado agora. Não estava mais na defensiva, parecia na verdade surpresa por suas palavras.
- Não pensei que você realmente fosse capaz de pedir desculpas a alguém - ela disse por fim.
- Por favor, Alice, me perdoe, meu amor, eu jamais devia ter feito tudo aquilo, mas era uma oportunidade... eu tinha que ir, era minha chance, podia ser a única! E na época... eu era tão jovem, tão sonhador...
- Eu também tinha um sonho, e você o destruiu quando foi embora.
- Nós dois sabemos que isso não é verdade - ele disse. - Você nunca precisou de mim pra nada, seguiu sua vida muito bem sem mim, não seguiu?
- Isso não significa que não tenha machucado.
- Sim, eu sei. Eu não deveria ter feito aquilo... nós podíamos ter encontrado uma outra solução.
- Mas agora já é tarde.
- É por isso que estou aqui.
Ela levantou os olhos novamente, esperando o que ele tinha a declarar.
- Escute - ele começou cautelosamente. - Vamos começar novamente, sim?
Ela não respondeu de imediato. Ele sabia que a ferida era profunda, e ainda doía. Pensou enxergar alguma sombra de sorriso em seu rosto antes dela olhá-lo novamente, talvez estivesse especulando as possibilidades.
- Vamos com calma, certo? Eu não tenho certeza se quero viver tudo aquilo de novo.
- Alice...
Ela voltou-se novamente para dentro da casa, puxando a porta atrás de si.
- Não vai nem me convidar para um chá? Um café? Um pedaço de bolo?
- Já se foi a época dos lanchinhos da noite, Arthur. É melhor você se acostumar com isso.
Ele segurou a porta antes que ela a fechasse. Colocou sua cabeça para dentro.
- Alice, vivemos tanta coisa juntos...
- Eu pretendo ler a carta, Arthur, vi que tem o endereço do remetente, posso te procurar se quiser.
- Mas...
- Boa noite, Arthur. Você já pode ir agora.
Ele não insistiu. Soltou a porta e deixou-a fechar. Ficou ainda alguns instantes olhando para ela, pensando em seu mais novo primeiro encontro, porque afinal, era sim um primeiro encontro, mas um encontro que não resultara no primeiro beijo.
Mas foi melhor do que eu imaginei.
Não que ele tivesse realmente imaginado alguma coisa concreta, mas tinha consciência que devido às circunstâncias podia ter sido bem pior.
Podia até não ter sido.
Bem, pelo menos agora ele sabia o endereço dela.

Contemplação

Às vezes olho para o nada, simplesmente por olhar
Às vezes, no infinito, tento buscar algo a mais
Busco o que me surpreenda
Busco uma faísca, uma repentina inspiração







De noite olho a lua
De noite olho as estrelas e o misterioso manto azul
E sinto a brisa suave em meu rosto
E tento entender como, por que... mas não consigo

Olho então para o lado, e vejo você
Olho então em seus olhos, e de repente o azul do céu não parece mais tão azul
Percebo que toda a inspiração está ali
Percebo que não há o que entender, apenas o que contemplar