sexta-feira, 6 de setembro de 2013

Carta à Selva de Pedra

Dearling

        Há tempos que venho querendo escrever-lhe, mas por falta de inspiração e tempo não tinha tido ainda a oportunidade. Ultimamente tenho sido perturbada por pensamentos que me remetem à realidade. Bem sabe você que me refugiei nesse lugar justamente para fugir dela, mas não posso mais ouvir a palavra "Brasília" sem me lembrar de você.
        Engraçado, acho que fazia anos que não ouvia o nome dessa cidade. Pensava nela às vezes, sentia saudades. Não tanto dela, é claro. Aqui é difícil ouvir falarem do Brasil, menos ainda na metrópole do planalto central, então não tenho sofirdo tanto com isso. Mas ontem ouvi. Bem assim, por cima, não sei se no televisor do bar ou de alguma das conversas aleatórias que se davam nas mesas ao redor. E me veio toda essa onde de emoções.
        A inspiração, por fim. E apesar de continuar sem tempo, sei tão bem quanto você que é necessário atender quando ela bate à porta, caso contrário ela se vai para nunca mais voltar.
        Estou fora de mim, como já deve ter notado, há anos que não escrevo uma carta, há anos que não escrevo, e, principalmente, há mais tempo ainda que não escrevo tão mal. Lembro-me das suas cartas, todas rebuscadas, detalhadas, pensadas, e então vejo a que escrevo agora, impulsiva, sem um rascunho anterior, sedenta de estravazar o que vem sendo reprimido há tanto tempo.
        Só sei que quando ouvi... "Brasília", perdida no meio de uma frase, talvez o noticiário, talvez um plano de férias, talvez assuntos políticos. Tão perdida quanto eu quando cheguei aqui, sozinha, tremendamente arrependida. Mas veja que o arrependimento durou pouco, logo arranjei um emprego, conheci pessoas... e a vida nunca foi tão divertida.
        Mas ao ouvi-la senti falta das nossas diversões. Vim para casa.
        Estou com suas cartas em cima da mesa. Não me pergunte por que as guardei, mas saiba que as tenho todas. Creio que no fundo mesmo eu nunca quis ir embora, mas você conhece bem todos os motivos que me fizeram partir. Só quero te lembrar que você foi o último deles.
        Escrevo porque sinto sua falta. Não sei se é a idade que avança e nos faz de repente lembrar do passado... aliás, é seu aniversário, não é? Hoje. Acho que essa carta não vai chegar a tempo, certo? Talvez eu não chegue a tempo... Não, esqueça essa última parte, não creio que eu ainda volte. Mas eu... bem, queria poder arrancar-lhe suspiros agora.
        Não me leve a mal, deve ser o gim... ou o champagne, ou a cerveja. E faz tempo que não escrevo, só tenho cantado ultimamente.
        Sinto saudades de você debaixo do meu cobertor... das suas mãos quentes a me amparar, abraçar, tocar. Da sua voz doce a dizer que me ama, da sua voz, como ela é, a dizer o que quer que seja.
Quem sabe um dia... É difícil para mim, você sabe, tenho uma vida inteira aqui. Se bem que você também tem a sua aí. Sinceramente, não sei porque insisto em nossas lembranças, sei que você já deve ter conhecido outras mulheres por aí, eu também tive casos por aqui, motivos suficientes para esquecer. Mas não esqueci, e hoje tive certeza de que jamais esqueceria.
        Nunca te mandei meu endereço para não correr o risco de receber uma carta que fizesse o arrependimento voltar. Agora percebo que nunca precisei de uma carta para tê-lo. Ele sempre esteve lá, mas eu o escondi de mim mesma.
        "Brasília"... a primeira vez em anos. E foi o suficiente para fazê-lo vir a tona.
Oh, god, o que estou fazendo da minha vida... sorry, I shouldn't bem piecing you off with this. Who knows... maybe I should go back.
        No, não... ah, me desculpe pelo inglês, é que eu... é a força do hábito. Acho que está na hora de parar, minha cabeça está começando a doer. Se você receber esta carta há duas possibilidades: ou eu vou ter acordado sóbria amanhã e considerado que não seria assim tão arriscado enviá-la; ou em algum momento de pouca lucidez, sóbria ou não, eu decidi... como se diz... take a chance.
Nossas noites costumavam ser quentes, torça para que em algum desses momentos de pouca lucidez eu decida voltar. Aí quem sabe poderemos tê-las uma vez mais.



Saudades eternas,
Não mais sua, mas para sempre sua,
E.
Las Vegas, 1957

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